Liquidar garantias antes do trânsito em julgado eleva o custo Brasil

No Blog de hoje trazemos um artigo feito pelo Advogado Tributarista Luís Felipe Krieger Bueno para a coluna ABDF para o site Jota.info, onde o mesmo explica como a liquidação de garantias do trânsito em julgado eleva o custo Brasil

Há alguns anos, tornou-se corriqueiro a União Federal requerer a imediata liquidação da fiança ou do seguro ofertados pelo executado em garantia do juízo visando a obter sua conversão em depósitos judiciais em dinheiro quando os embargos à execução fiscal são julgados improcedentes em primeira instância. 

Segundo Luis: “Tratando-se, porém, de garantias aceitas e idôneas, essa atitude desrespeita os princípios que norteiam o processo de execução, configurando mais uma contribuição do Estado para tornar o Brasil um dos países mais inóspitos a investimentos produtivos.”

Isso porque, em primeiro lugar, de acordo com o §3º do artigo 9º e o artigo 15 da Lei 6.830/80 (LEF), o depósito em dinheiro, a fiança e o seguro garantia são instrumentos equivalentes à penhora no que tange à garantia do processo de execução fiscal, facultado ao executado escolher qualquer uma delas, revestidas que são de liquidez imediata, donde, sobrevindo sua condenação por decisão transitada em julgado, a pretensão da Fazenda Pública será pronta e inteiramente satisfeita. 

Essa, inclusive, a razão pela qual o artigo 206 do Código Tributário Nacional (CTN) confere os mesmos efeitos da certidão negativa àquela da qual conste a existência de créditos em curso de cobrança executiva em que tais garantias tenham sido oferecidas. 

Assim, se, por força do §2º do artigo 32 da LEF, o depósito judicial não pode ser levantado antes do trânsito em julgado da sentença proferida nos embargos à execução, também a garantia equiparada ao depósito, como é o caso do seguro garantia e da fiança bancária, não pode ser executada antes do trânsito em julgado da decisão, entendimento que prevaleceu por muitos anos no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sucessivos julgados que adotaram como razões de decidir os fundamentos do REsp nº 1.033.545/RJ, da relatoria do ministro Luiz Fux. 

Além do mais, a pretensão da Fazenda Pública nesses casos é incompatível com o princípio da menor onerosidade, previsto no artigo 805 do Código de Processo Civil (CPC), assim como com os da razoabilidade e da proporcionalidade a serem atendidos pelo juiz, ex vi do disposto no artigo 8º do mesmo diploma legal. 

Afinal, como é notório, entre as hipóteses de garantia previstas na LEF, o depósito em dinheiro é a mais onerosa para o executado, podendo comprometer irreparavelmente sua margem de solvência e reduzir sua capacidade de gerar empregos, mormente diante do cenário adverso causado pela recessão que se abateu sobre a econômica nacional desde 2014, agravado exponencialmente pela pandemia da Covid-19. 

Essa, com efeito, é a consequência a que estará exposto qualquer contribuinte que se veja privado por prazo indeterminado do capital de giro indispensável ao seu funcionamento, não raro em valor maior do que o seu patrimônio líquido, sem que o Estado o indenize pelos prejuízos sofridos caso, ao final, os embargos à execução sejam julgados procedentes. 

Não se pode perder de vista, por outro lado, o desenfreado grau de litigiosidade das administrações tributárias brasileiras estampado nos dados colhidos e divulgados pela emérita comissão de juristas encarregada de propor alterações legislativas para modernização dos processos administrativo e tributário criada pelos presidentes do Senado Federal e do Egrégio Supremo Tribunal Federal,  indicadores do elevado índice de probabilidade de insucesso dos lançamentos tributários, como se tem confirmado empiricamente, a recomendar prudência do Poder Judiciário no trato da matéria, a fim de evitar o agravamento das injustiças que os custos da manutenção de cobranças indevidas infligem ao contribuinte. 

Saliente-se, ademais, que, no âmbito Federal, os depósitos judiciais são imediatamente repassados para a Conta Única do Tesouro Nacional, como prescreve o §2º do artigo 1º da Lei nº 9.703/98. 

Desse modo, na prática, o pleito de liquidação antecipada das garantias em comento configura, com a devida vênia dos que pensam diferente, ato desviado de finalidade, porque almeja aniquilar a faculdade de escolha da garantia expressamente outorgada ao executado pelo caput do artigo 9º da LEF, tornando letra morta o inciso II desse comando legal, restringindo o livre exercício dos direitos de ação e de ampla defesa, transgredindo a garantia ao devido processo legal, a ponto de inibir o acesso ao duplo grau de jurisdição, assegurados pelos incisos XXXV, LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República, fazendo pouco dos cânones que habitam o artigo 37 e instituindo, por via transversa, verdadeiro empréstimo compulsório, ao arrepio do artigo 148 da mesma Carta. 

Apesar dessas considerações, encontram-se decisões judiciais contraditórias a respeito do assunto, acarretando incerteza e insegurança jurídicas, além de tratamento anti-isonômico. 

Destarte, em face da relevância da matéria e da multiplicidade de processos com idêntica questão de direito, é desejável que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça selecione recursos especiais sobre o tema e os afete para julgamento pelo sistema dos recursos repetitivos, para que se cumpra a regra inscrita no caput do artigo 926 do CPC, quando espera-se ver a jurisprudência uniformizada na linha do acórdão prolatado pela Colenda 1ª Seção daquela Corte Superior  que, ao julgar os Embargos de Divergência em REsp nº 1.163.553/RJ (Relator para Acórdão ministro Mauro Campbell Marques), assentou a inadmissibilidade da substituição da fiança bancária por depósito em dinheiro, pois “a substituição pretendida pela Fazenda Nacional só seria cabível se houvesse razão para afastar a idoneidade da fiança bancária sob pena de impor ao devedor injustificável gravame”. 

 

Autor: Luís Felipe Krieger Bueno 

Fonte: Jota.info 

 

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